DE VOLTA ÀS RAÍZES – ÁFRICA 1974
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Após uma turnê pela Austrália e Japão, em 29 de
Janeiro de 1974, os irmãos do The Jackson Five entraram em um
avião, rumo a Dakar [Senegal], nas primeiras horas da noite. Eles estavam
programados para tocar seus primeiros shows lá e, para os irmãos Jackson, esta
seria sua primeira viagem ao continente africano.
Eles desembarcaram em Dakar na manhã seguinte,
pouco antes do nascer do sol, com uma comitiva de cerca de duas dezenas de
associados e membros da imprensa. Foram recebidos por dignitários, oficiais do
governo, típicos dançarinos e multidões de fãs no momento do desembarque.
Rapidamente, eles foram levados para uma sala VIP
dentro do aeroporto, para uma rápida entrevista coletiva. Após o encontro com a
imprensa, eles passaram mais tempo assistindo os dançarinos e eventualmente se
juntaram a eles, tentando aprender os seus passos.
Embora a viagem tenha sido anunciada como uma turnê
africana, na verdade, The Jackson Five realizou apenas
três concertos – todos em Dakar – nos estádios Demba Diop e
no Teatro Nacional Sorano, no início de Fevereiro de 1974.
Originalmente, se conversou sobre eles viajarem
para Gana, Zâmbia e Etiópia para alguns concertos adicionais, mas a turnê foi
interrompida. Artigos da época variam a respeito dos motivos, alguns dizem que
foi devido a questões técnicas e outros dizem que se comprovou ser muito difícil
para os irmãos Jackson se adaptarem às mudanças na alimentação e água.
A repercussão na mídia
”The Jackson Five em Dakar, nesta
manhã”, anunciam em grandes letras, duas páginas do jornal Soleil,
na sua edição de 30 de Janeiro de 1974. A visita dos irmãos foi seguida de
perto pelo jornal com publicação diária, na época.
Sua chegada também foi aguardada com grande
expectativa pelos moradores locais. A passagem de Michael Jackson e sua família
foi rica em contato humano e emoção. Eles visitaram as moradas humildes de
alguns habitantes, posaram para fotografias e distribuíram autógrafos, entre
passeios e compras. Eles também realizaram uma conferência de imprensa com uma
rádio senegalesa.
Aconteceram visitas à Joal, uma tradicional vila de
pescadores, à vila Fadiouth, à cidade de Linguère e, claro, a inevitável
peregrinação à Ilha de Gorée [que sedia a Casa dos Escravos, uma antiga
senzala] em frente à Dakar.
O jornal informou, em sua edição de 03 de Fevereiro
de 1974, que o patriarca Joe Jackson recebeu das mãos de Moustapha Fall, então
Diretor-Presidente do Turismo, a insígnia de Cavaleiro da Ordem do
Mérito. O grupo, por sua vez, ofereceu ao Chefe de Estado um disco de ouro.
Durante esta estadia no Senegal, The
Jackson Five também recebeu uma homenagem da Organização de
Unidade Africana. [Esta organização foi, sobretudo, um fórum de cooperação
entre os chefes de Estado, fundada em 1963 e dissolvida em 2002].
Mas “o destaque do dia foi a visita de domingo à
Ilha de Gorée”, relata Malal Ndiaye. Em 1978, esta ilha foi nomeada pela UNESCO
como Patrimônio Mundial da Humanidade.
Em seu artigo publicado em 04 de Fevereiro de 1974,
o repórter do Soleil recorda o significado simbólico da visita
a Jackson: “Para os negros americanos, a Casa dos Escravos é um
testemunho de sua negritude”.
O artigo não menciona, mas, décadas depois, você
pode sentir a atmosfera desta peregrinação. O anfitrião Boubcar Joseph Ndiaye
ficou cercado por Michael Jackson e seus irmãos, todos atentos e abalados pela
sua eloquência, lhes contando sobre as terríveis atrocidades que se cometiam na
ilha.
A Ilha de Gorée era o ponto de partida para muitos
prisioneiros africanos, que estavam para ser enviados aos E.U.A., na condição
de escravos, em séculos anteriores.
Neste ponto, Myriam Etoile, a correspondente de um
canal de TV estrangeiro em Dakar, não consegue segurar as lágrimas.
Segundo todos os relatos, os irmãos ficaram
profundamente afetados emocionalmente pela visita a Gorée, tanto assim que seus
segundo e terceiro concertos foram muito menos exuberantes do que o seu
primeiro concerto tinha sido.
A Casa dos
Escravos
Em 1964, Boubacar Joseph Ndiaye transformou uma
antiga senzala em um memorial que simboliza o tráfico e a deportação de 11
milhões de africanos para o continente americano, entre os séculos 16 e 19.
Desde então, esse local passou a ser visitado por
milhares de turistas que, a exemplo dos irmãos Jackson, ouviam da boca de
Boubacar Ndiaye as histórias do sofrimento dos escravos que eram levados para
as plantações americanas.
A personalidade de Boubacar Joseph Ndiaye inspirou
a realização do filme Little Senegal [2001], dirigido pelo
cineasta francês Rachid Bouchareb.
[Ainda sobre a mídia]
O jornal também cita que “esta peregrinação às
fontes foi realizada na companhia do representante da Delegacia Geral do
Turismo, Moustapha Fall, o embaixador dos E.U.A. e o Governador Birahim Thierno
Ndao”.
No mesmo artigo, o jornal anuncia que os irmãos
foram convidados a visitar uma área de desastre para testemunhar, em primeira
mão, a seca que assolava a região. Na primeira metade da década de 70, Senegal
e países vizinhos tinham sido severamente castigados com a escassez de chuva.
”The Jackson Five visitou ontem o Petite
Côte” , informava a edição de 01 de Fevereiro de 1974 do Soleil.
O repórter também destacou a curiosidade e sede de descoberta que conduzia
todos os irmãos.
Ele fala de uma “longa caminhada nas ruas de
Fadiouth” com ”centenas de metros de filme”, fotografias tiradas como recordação e “um fluxo de perguntas para os moradores, uma infinidade de objetos
de arte comprados [especialmente frutos do mar] e um almoço no Club
Aldiana”.
O documento também descreve um “ambiente
descontraído e jovial”, com uma “demonstração de dois jovens senegaleses, para
grande satisfação dos irmãos Jackson”.
“Mas foram os jovens trabalhadores de Club
Aldiana que mais se beneficiaram da estadia do Jackson Five”,
afirma o repórter do Soleil. Ele também fala de “uma verdadeira
caça aos autógrafos” e uma “corrida quase indescritível por qualquer objeto pessoal
no Club Aldiania”. O artigo também relatou uma recomendação do pai
Joe aos seus filhos:
“Prestem atenção à música africana e seus artistas,
porque eu acho que podemos nos inspirar para embelezar nossos arranjos musicais”.
Depoimento de Joe Jackson [pai dos irmãos Jackson]
“A África é nossa pátria histórica”; Alguns dos
meus antepassados nasceram lá. Eu a conhecia – assim como os meus filhos – apenas através dos livros, mas eu realmente
queria visitá-la um dia, porque eu queria ver onde a história negra tinha
começado. Então, eu planejei uma apresentação do The Jackson Five na
África.
No início dos anos 70, fui colocado em contato com
um africano do Leste, MaMa Do Johnny Secka, um grande muçulmano, bem vestido,
de pele muito negra. Ele não era como os outros, e todos nós o amávamos.
MaMa era um grande promotor e ele realmente queria
levar The Jackson Five para a África. Ele, é claro, discutiu
os detalhes do contrato comigo – meus filhos ainda eram menores de idade.
Para a África, fomos particularmente bem preparados
para os shows, e voamos de New York para Senegal. Os meninos não podiam esperar
para ver a pátria e os nossos antepassados.
Quando pousamos em Dakar, encontramos uma multidão
admirada. As pessoas cantavam, batiam na bateria e gritavam: “Jackson Five!
Jackson Five!”
E eles formaram uma roda e começaram a dançar. Eles
convidaram meus filhos para a roda, um a um, a fim de dançar juntos.
Michael foi o último, então ele teve tempo
suficiente para observar seus movimentos. E quando ele entrou para a roda,
começou a dançar como um africano. Foi incrível, e as pessoas do comitê ficaram
emocionadas.
Eles imediatamente receberam Michael como um deles
e, a partir desse momento, nos sentimos em casa e tínhamos compreendido o
significado dessas palavras: “Bem-vindo à África”.
Nós adoramos cada minuto da nossa estadia. Banners com
os nossos nomes foram pendurados por toda a cidade, as pessoas dançavam na rua
com a nossa música. Repetidamente, ouvíamos: “Jacksons… Jacksons… nós
te amamos!”
Nós nos sentimos lisonjeados e, ao mesmo tempo,
felizes pela sua animação sobre a nossa chegada. Ficamos uma semana em
Senegal, os meninos se apresentaram no Demba Diop. A atmosfera
africana provavelmente havia lhes afetado e dançavam melhor do que nunca.
Em seguida, fomos convidados lá onde nasceu
presidente do Senegal, Leopold Sedar Senghor.
Na estrada, vimos um monte de espeleólogos [exploradores
de cavernas] e outros artesãos que vendem suas criações diretamente na rua. Ao
nos afastarmos da cidade, a atmosfera nos pareceu mais primitiva.
O presidente nos convidou para jantar em sua aldeia
natal e nós apreciamos a hospitalidade de nossos novos amigos africanos.
No dia seguinte, estávamos na ilha Gorée. A partir
daí, os vendedores de escravos arrastavam os nossos antepassados em navios
para a América, e inúmeras pessoas morreram durante a viagem.
Assim que saímos da balsa, eu estava com medo e,
quando entramos em um velho calabouço onde os escravos ficavam no passado,
acorrentados às paredes, fiquei muito deprimido.
Ele começou a ficar frio, eu tremia, e os meninos
também estavam aterrorizados. O docente nos contou uma história horrível sobre
como eles tratavam as pessoas infelizes e Jackie caiu em prantos. Outros também
foram profundamente afetados.
Eles nos deram um presente de despedida – um
artefato em que os escravos eram acorrentados às paredes da prisão. Foi
doloroso para mim ouvir sobre a forma bárbara como eles eram tratados. No
entanto, eu nunca vou esquecer este dia.
Em Dakar, o presidente do Senegal me deu mais uma
medalha de prata, porque eu tinha chegado a seu país como “o embaixador da arte”.
No meu discurso de aceitação, expressei o desejo de que “a conexão entre a
África e E.U.A. se tornasse mais forte”. Eu considero uma grande honra ter esta
medalha. A única outra artista que a tinha recebido era Duke Ellington.
Na partida, a multidão de senegaleses reunidos
novamente no aeroporto dançou para nós. Antes de entrar no avião, eu novamente
respirei o ar africano.
Durante o longo voo de regresso, nós olhamos
deliciosamente as pequenas figuras de madeira com as quais fomos presenteados.
Nós amamos tudo sobre África: as pessoas felizes e seu dom incrível de música e
dança, lendas passadas de pai para filho, de geração em geração, e o cheiro do
Oceano Atlântico na costa do Senegal.
Quando pousamos em New York, nos demos conta de que
nunca iríamos esquecer a África. No aeroporto, dezenas de jornalistas estavam
esperando por nós, nos empurravam microfones e nos faziam perguntas tolas. Eles
queriam saber se tínhamos visto selvagens, e se o perigo ameaçou nossas vidas!
Tentamos explicar como as pessoas eram amigáveis lá e que grande país era o Senegal. É estranho que, no início dos anos
70, a maioria dos americanos ainda acredita que a África seja ocupada por caçadores de cabeças que cozinham os turistas nos
caldeirões.
Isto foi em parte por causa de filmes racistas.
Felizmente, há mais diretores como Spike Lee, que mostram os negros como eles são.
De qualquer forma, depois da primeira viagem, eu realmente queria voltar para a
África para ver tudo neste continente. O meu maior desejo seria organizar uma
turnê do Jackson Five por todos os países africanos”.
Michael Jackson em sua autobiografia Moonwalk
“E depois houve a África. Tínhamos lido sobre a
África porque nossa tutora, Rose Fine, tinha preparado lições especiais sobre
os costumes e história de cada país que nós visitávamos. Não conseguimos ver as
partes mais bonitas da África, mas o oceano e a costa e as pessoas eram
inacreditavelmente lindas perto da costa onde nós estávamos.
Um dia, fomos a uma reserva de caça e observamos
animais selvagens andando. A música era de arregalar os olhos, também. O ritmo
era fenomenal.
Quando nós saímos do avião pela primeira vez, era
madrugada e havia uma longa fila de dança africana em seus trajes nativos com
tambores e chocalhos. Eles estavam dançando ao redor, nos acolhendo. Realmente
estavam ali. Cara, isso era alguma coisa! Que maneira perfeita de receber-nos
na África! Nunca esquecerei aquilo.
E os artesãos no mercado eram incríveis. Pessoas
estavam fazendo coisas enquanto nós assistíamos e vendendo outras coisas.
Lembro-me de um homem que fazia lindas esculturas
em madeira. Ele perguntava a você o que você queria e você dizia: “O rosto de
um homem” e ele pegava um pedaço do tronco de árvore, cortava-o e criava um
notável rosto.
Você podia vê-lo fazer diante dos seus olhos. Eu
tinha acabado de me sentar ali e via pessoas se aproximando e pedindo para ele
fazer alguma coisa e ele fazia tudo isso repetidas vezes.
Foi uma visita ao Senegal que nos fez perceber o
quão afortunados nós éramos e como nossa herança africana tinha ajudado a nos
fazer o que nós éramos. Nós visitamos um antigo e abandonado acampamento de
escravos, na ilha de Gorée, e ficamos tão comovidos! O povo africano tinha nos
dado os dons de coragem e resistência que não podíamos esperar para pagar”.
Trecho da entrevista de Michael, publicada na Jet
Magazine em 1979
De todas suas viagens, ele [Michael] diz que suas
experiências mais emotivas e tocantes vieram das viagens para Dakar, Senegal.
“Eu vou levantar a minha mão [para Deus] nesta
aqui”, ele se acendeu como uma lâmpada. “Eu sempre pensei que os negros, em
termos artísticos, eram a raça mais talentosa na Terra. Mas quando eu fui à
África, eu fiquei até mais convencido. Eles fazem coisas incríveis lá… Eles têm
as batidas e o ritmo. Eu realmente vejo de onde a bateria vem. Faz você pensar
que todos os negros têm ritmo… Eu não quero que os negros jamais se esqueçam
que este é o lugar do qual nós viemos e de onde nossa música veio. E se nós
esquecermos, isto [a história negra] realmente irá se perder. Eu quero que nos
lembremos”.
O filme “Jackson 5 in Africa”
A partir do momento em que The Jackson
Five pousou em Dakar, as câmeras estavam rodando para gravar todos os
seus movimentos para um documentário que foi ideia do promotor de concertos
Johnny Secka, cineasta senegalês [não deve ser confundido com Johnny Secka, um
ator senegalês].
Secka conheceu Michael e Joe Jackson na cerimônia
do Oscar em 1973, e consta ter sido nesse momento que ele revelou para Joe seu
desejo de levar The Jackson Five para a África.
O promotor, então com apenas 26 anos, era um
promissor empresário. Ele havia se mudado para os E.U.A. para prosseguir a sua
carreira, mas seu coração permaneceu na África, e ele foi inspirado a levar
artistas norte-americanos para o continente africano. Ao mesmo tempo , ele
também estava trabalhando para conseguir James Brown, BT Express,
os Staple Singers e Stevie Wonder para ir à África. Ele estava
agindo também com a esperança de estimular as economias dos países do Oeste
Africano e levar os americanos a prestarem atenção a alguns dos talentos locais
na África.
O trailer do filme:
A turnê do The Jackson Five à
África foi o primeiro grande sucesso de Secka. O documentário virou um filme
chamado Jackson 5 in África.
Assistindo o filme, nós aprendemos mais sobre Dakar
e a moderna África Ocidental do que o próprio grupo musical. Neste sentido,
Secka era realmente o estrategista brilhante e homem de negócios, não muito
diferente de Berry Gordy Jr. Ele era essencialmente um homem “E.U.A. para a
África”, cerca de uma década à frente do seu tempo.
O filme estreou nas Nações Unidas, em Novembro de
1974, mas não chegou a “estourar”, conforme eles esperavam. A parte mais
interessante do filme para os fãs do The Jackson Five é, sem
dúvida, o concerto filmado ao vivo. Nós os vemos cantando Hum Along and
Dance, Feelin’ Alright e You Need Love Like I Do
[Don’t You], entre cenas deles no Palácio Nacional, visitando os artistas
locais, e um tanto tímidos para responder às perguntas em uma coletiva de
imprensa realizada, na maior parte, em francês.
No final do filme, o narrador Robert Hooks faz um
apelo para outros artistas negros voltarem para a África.
Johnny Secka apresenta uma
fotografia tirada durante a viagem
Infelizmente, Johnny Secka nunca chegou a realizar
seu sonho. Ele morreu cinco anos mais tarde, aos 32 anos. No momento da sua
morte, ele estava apenas dando os retoques finais em uma turnê que levaria Bob
Marley e The Wailers para Gabão.
Após o falecimento de Michael, solicitaram uma
autorização para que esse documentário fosse exibido e assim aconteceu, no dia
14 de Julho de 2009, no National Black Harlem Theater [New
York]. Ele também foi exibido na noite de encerramento do Downtown Film
Festival, festival de cinema de Los Angeles.
Sobre
as revistas
É provável que a melhor cobertura sobre esta viagem
tenha sido feita pela revista musical britânica Blues & Soul,
com a jornalista Kwame Brathwaite que, além de ser fã do The Jackson
Five, teve a oportunidade de acompanhá-los em sua viagem, e esteve a bordo
do voo Pan Am Flight 184.
A revista Rock and Soul de Julho
de 1974 registrou a presença dos irmãos em uma escola, após seu retorno de
Dakar. Os Jacksons compartilharam com os estudantes as experiências e emoções
de sua viagem ao continente africano.
A revista Jet Magazine de Maio de
1974 também levou a aventura dos irmãos para a capa de sua revista e uma
matéria especial.
Mais imagens da viagem
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Fontes: Jet Magazine 1979
http://fr.wikipedia.org
http://www.seneweb.com
http://mjjtime.blogspot.com.br
http://j5collector.blogspot.com.br
http://onmjfootsteps.canalblog.com
A autobiografia Moonwalk de Michael Jackson
http://michaeljacksonhumanitarian.blogspot.com.br
https://www.lolgamesup.com.br
Tradução: Cartas para Michael