WE’VE HAD ENOUGH
BASTA!
Por Andréa Luisa Bucchile Faggion
Meus amigos, vamos
celebrar! 'We've Had
Enough' (Tivemos o Bastante)! A maravilhosa 'We've
Had Enough', não é mais um desabafo sobre o linchamento que Michael Jackson
vem sofrendo nas mãos dos neoconservadores, falsos moralistas e fundamentalistas
que detêm o poder na América. Embora seja universal, no atual contexto, ela é
sim um desabafo sobre o que o mundo todo vem sofrendo nas mãos desses republicanos
de Bush que tratam gente "esquisita" com algemas e bombas.
Como estamos falando
de Michael Jackson, não espere a banalidade de versos como "nós queremos
paz" ou "a América mente". A música mais política da carreira de
Michael Jackson, sim esqueça 'They Don't Care About Us', não carrega
bandeiras políticas explícitas ou levanta bordões anti-Bush. Michael Jackson é
o contador de estórias do mundo contemporâneo. Como os sábios de séculos ou
mesmo milênios atrás, ele faz sua crítica com parábolas e causos. Foi assim
quando ele dançou seus sonhos em forma de livro, por exemplo.
Em 'We've Had
Enough', ele nos leva a imaginar como um pai contaria a uma criança sobre a
morte da mãe em um ataque militar, e vice-versa. Há algo mais simples e direto
do que esse apelo? Há alguma ideologia que se sobreponha à crua constatação de
uma vida interrompida, justificando momentos assim?
Como me disse em
conversa nosso ex-diretor e meu amigo Alvaro Zanotti, estes versos que retratam
inocentes pedindo uma explicação sobre a orfandade provocada pela guerra
soariam piegas na boca de qualquer outro. Com Michael, eles soam dolorosamente
humanos, fazendo-nos pensar, ou melhor, sentir como pudemos permitir que isso
acontecesse. Esta é uma das funções de Michael Jackson no mundo: ele nos faz
ver o que há de mais simples que, de tão óbvio, não percebemos mais; ele nos
mostra que teorias complicadas e sofisticações intelectuais não valem de nada perante
a dor nua e humanamente crua.
Fazer-nos imaginar
uma garotinha perguntando a um oficial se Deus lhe disse que ele poderia
decidir quem poderia viver e quem deveria morrer é o jeito de Michael de nos
ensinar que nenhuma idéia vale uma vida, como diz explicitamente e, portanto,
sem a mesma força, uma canção brasileira. É o jeito de um homem simples que
olha para a vida sem as lentes das convenções, das ideologias, das fórmulas e
das regras... É o jeito de um homem que nos toca por olhar o mundo simplesmente
como ele é. A propósito, será que um dia vão entender que é só isso que ele
quer dizer quando diz que temos a aprender com as crianças?
Dizem os estetas que
a arte é sempre crítica, mesmo em um conto de fadas de chapeuzinho vermelho,
porque a arte é, no mínimo, a criação de uma utopia, ou seja, de um mundo que
não tem lugar, ao menos ainda, no mundo real. Portanto, mesmo o artista mais
apolítico, ao criar seu próprio universo, sempre coloca outra possibilidade de
mundo e, assim, questiona, ainda que involuntariamente, o mundo que de fato
existe.
Mas ao criar o mundo
de 'We've Had Enough', Michael certamente sabia o que estava fazendo e,
desta vez, não colocou nenhuma utopia. O que faz de 'We've Had Enough'
sua obra mais política é justamente a identificação entre o conto e o real no
contexto atual. A música fala, sem se referir, de uma realidade que não é só de
guerra como também de possibilidade de mudança. Michael grita que temos
escolha. Sim, os americanos, justamente agora, puderam escolher entre o
"senhor da guerra que não gosta de crianças" e o mal menor, o falso
caçador de gansos, John Kerry. Aliás, diga-se de passagem, eles, infelizmente,
acharam que ainda não tinham tido o bastante.
Mas
esta foi a ousadia política de Michael Jackson. Atacar a guerra, não pelas
mentiras de Bush ou pelos prejuízos causados aos cofres públicos, mas por negar
o direito que os pacificadores do mundo se deram de matar em nome da paz. Sua
ousadia artística, por sua vez, se deu, mais uma vez, na estrutura da canção.
Quase 6 minutos sem um refrão propriamente dito! Que rádio vai executá-la?
Bom seria se fossem
todas! Bom seria se ela tivesse ecoado em toda cabine de votação da América! A
propósito, esta canção me faz lembrar de um novo documentário que será lançado
quase simultaneamente ao box set no Reino Unido. O documentário, que
traz a participação da obsessiva psiquiatra Carole Lieberman e do falso
detetive Ernie Rizzo, ambos em sua eterna cruzada contra Michael, nos diz que
não podemos entender Michael Jackson, porque sua noção de realidade é por
demais distante da nossa. Ora, antes nossa realidade fosse mais próxima da
dele, não é? Ao menos, em sua fantasiosa Neverland, ao contrário do
nosso real Iraque, as crianças estão a salvo, até que se prove o contrário...
______________________________Fonte: http://www.reidopop.com/mjbeats/showthread.php/28785-Artigo-Basta! – Out/2004